Conto 1 - O Segredo de Manoela




- Sendo assim, O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, declara a ré culpada por desobedecer as ordens eclesiásticas praticando feitiçaria e toda espécie de sortilégios. Entendemos que pela conduta contra a moral e os costumes, Manoela Montessales deve ser punida. – Pronunciou o inquisidor, o olhar duro, impassível. - É de nossa obrigação preservar os cidadãos de bem e mantê-los longe da heresia. Pelos crimes cometidos, condenamos a ré à fogueira. Sua execução será realizada em praça pública no próximo dia dezoito. Até a data professada, Manoela deverá permanecer sob a custódia do clero.

Bate o martelo.

            Antes de a sentença ser anunciada, os quatro membros do conselho canônico se reuniram para discutir o destino da bruxa, porém entre eles havia um ser infiltrado. O espírito guia de Manoela possuiu o corpo de um daqueles homens de batina numa tentativa de salvá-la das chamas da pira. Foi ele, Antony que através de suas orientações levou Manoela a curar os enfermos e a fazer poções à base de ervas para todos os males ajudando a população que agora a condenava.
            - As provas que coletamos já são mais que suficientes para que a condenação seja a mais severa possível. – Disse o Padre Alfred no decorrer da reunião. - E vinculadas aos depoimentos das testemunhas, não temos outra opção a não ser mandá-la à fogueira.
            - A igreja tem sido muito rígida com essas supostas bruxas. – Falou o Padre Pedro. – No meu ponto de vista, as testemunhas não se queixaram dos feitos de Manoela, muito pelo contrário. A maioria delas se mostrou agradecida de alguma forma pelos favores prestados por ela, portanto acredito que a ré deva ter uma pena mais branda. Uma morte por enforcamento talvez amenize o sofrimento da pobre mulher.
            - Padre Pedro! – Vociferou o Bispo Dunai. – As regras são muito claras! Não nos envolvamos emocionalmente com o caso. Aquela menina Manoela que outrora freqüentava as missas deixou de existir há tempos, quando por livre e espontânea vontade tornou-se um herege e uma ameaça ao cristianismo. É de extrema importância que ela seja queimada diante dos olhos da população para que sirva de exemplo aos que estão seguindo o mesmo caminho.
            - Irmãos, - Contrapôs o Padre Selmo. - já queimamos muitas pessoas naquela pira. Até quando isso vai continuar? Deve ter alguma alternativa. Na minha opinião, deveríamos tentar mudar isso. Essas pessoas são seres humanos, merecem uma segunda chance.
            - Não existe a menor possibilidade de isso acontecer, meu caro irmão Selmo. – Retrucou o Padre Alfred em tom irônico. – Regras são regras. Temos que entrar num acordo. A audiência já vai começar. Se fraquejarmos agora outras feiticeiras espalharão como praga os seus feitos macabros e a igreja estará ameaçada. Bruxas não devem ser tratadas como seres humanos e a possibilidade de terem uma segunda chance está absolutamente fora de questão.
            - Eu ainda defendo a morte por enforcamento. – Insistiu o Padre Pedro.
         - Por que deveríamos amenizar o seu sofrimento? Ela queimará eternamente no inferno, então não há motivos para poupá-la agora. De qualquer maneira sentirá a ardência das chamas, se não aqui na Terra, nas profundezas do reino de Satanás! – Falou o Bispo e continuou: - Quanto tempo ela levaria para morrer? Dez? Vinte minutos? O que são vinte minutos para quem tem a eternidade pela frente? – Todos olharam estarrecidos. - Pela última vez, todos concordam com a sentença?
            E todos tiveram que concordar. Havia muitas provas contra a pobre Manoela, e Antony, o espírito não poderia fazer mais nada naquele momento. Se falasse demais os outros desconfiariam de sua espionagem.
            A audiência iniciou e teve a sua conclusão com a sentença anunciada. Manoela foi levada ao claustro onde permaneceu encolhida num canto clamando para que Antony a ajudasse. Teve a cabeça raspada e foi torturada para que denunciasse outras pessoas envolvidas com a bruxaria. Ela nada disse, só agüentou as torturas limitando-se a deixar que lágrimas lhe escorressem pelo rosto.
            O Padre Pedro se surpreendeu ao flagrar o Bispo Dunai cochichando algo com um serviçal. Ele tinha nas mãos um molho de chaves parecido com o das celas onde mantinham os prisioneiros condenados. Ao ser questionado a respeito, o Bispo apenas sorriu e disse que não sabia como tinham ido parar em suas mãos. Mas que desculpa esfarrapada, pensou o Padre Pedro.
            - Sabe, eu ainda acho que deveríamos amenizar o sofrimento de Manoela. Dê-me as chaves, Bispo Dunai. Irei visitá-la e orar por ela.
Antes que fosse ainda mais indagado, achou oportuno entregá-las e então o Padre Pedro dirigiu-se à cela da bruxa.
            Lá chegando encontrou o Padre Selmo a conversar com Manoela do lado de fora da grade. Ela segurava as barras de ferro de modo que seu rosto estava muito próximo ao rosto do religioso. Poderia jurar que estavam se beijando não fosse a convicção de que aquele ato seria impossível.
            O olhar de Manoela voltou-se ao padre que se aproximava, mas mais além, ela avistou a figura do o Padre Alfred que se escondeu ao ter sido pego de surpresa pelas presenças dos dois clérigos que já concuminavam com a bruxa. Todos os olhares se voltaram, mas nem o Padre Pedro e nem o Padre Selmo chegou a perceber a manifestação do Padre Alfred, pois este já havia debandado.
            Naquela mesma noite, Manoela escapara com a ajuda de um deles. O homem de batina que teve o corpo roubado pelo espírito Antony abriu a cela durante a madrugada libertando Manoela que fugiu para longe sem nunca ser encontrada.
            Um tremendo rebuliço foi formado na cidade. A notícia de que a bruxa havia fugido chegou até mesmo nas extremidades mais distantes daquela região.
            O povo revoltado se manifestou em frente a sede do Tribunal da Inquisição. Os membros do conselho canônico deram inicio a uma investigação para que o culpado pela fuga de Manoela fosse descoberto e punido em seu lugar.
            O principal suspeito era com certeza o Padre Selmo, pois este já havia expressado a sua contrariedade quanto a condenação da bruxa. Todavia, após dias de averiguação, descobriu-se que o responsável pela escapada da mulher foi na verdade o Padre Alfred, que apenas fingia defender a sentença severa de condenação da feiticeira para que nenhum dos membros percebesse a sua real intenção de libertá-la.
            Testemunhas viram-no abrir a cela no meio da noite e promover a evasão de Manoela. Diante das revelações dos depoimentos, Padre Alfred não teve como negar as acusações e acabara confessando.
            Revoltada, a população o apedrejou e o arrastou até a pira montada na praça. Seus olhos dilataram-se de assombro ao se deparar com a monumental construção destinada a desgraça.
            Atado à coluna de ferro vislumbrou a chama ser acesa pelas próprias mãos do Bispo Dunai que o lançou um olhar triste e decepcionado. Este possuía as chaves do claustro naquela ocasião, pois havia entrado na cela para torturar a moça em busca de novas denuncias. Situação embaraçosa, porém compreensível.
            Esperançosos de que Manoela se arrependesse e quem sabe garantisse um bom lugar no céu, Padre Pedro e Padre Selmo prestaram-na orações com a real intenção de ajudá-la.
            Quando a primeira faísca tocou os pés descalços do Padre Alfred, o espírito Antony abandonou o corpo do clérigo, que gritou desesperado sem saber o motivo pelo qual ardia em chamas. Tarde demais para descobrir.
            O espírito retornou à sua bruxa que recomeçava a vida num vilarejo distante. Nove meses depois Manoela deu à luz á uma menina. Antony aproveitara seu estado corpóreo e a possuíra naquela cela antes de libertá-la. Colocaram em prática o amor que sempre sentiram um pelo outro e este fora o segredo que juraram manter. Manoela criou a sua filha onde ninguém a conhecia e onde as notícias da feiticeira fujona não haviam alcançado.
            Uma poderosa linhagem de bruxos e bruxas se deu inicio sob a persuasão de Antony e até os dias de hoje os descendentes da família Montessales se escondem pelo mundo. Silenciosamente sofrem com a presença da entidade que acompanha as gerações, mas tiram grandes proveitos dos poderes herdados de seus antepassados.

Um comentário:

  1. Muito bom seus contos. Volta e meia eu passo por seus blogs pra ler e degustar cada palavra. Muito bom seus blogs. E eu agradeço a sua visita e sempre que quiser me visitar, sera sempre bem vinda. Bjsss

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